FERNANDO PESSOA O POETA 4 X1

FERNANDO PESSOA O POETA 4 X1

 

"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,

Não há nada mais simples.

Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.

Entre uma e outra todos os dias são meus.”

Fernando Pessoa

 

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa13 de Junho de 1888 — Lisboa30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.

É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".[1]

Por ter sido educado na África do Sul, para onde foi aos seis anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu perfeitamente o inglês, língua em que escreveu poesia e prosa desde a adolescência. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras inglesas para português e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto e Almada Negreiros) para inglês.

Ao longo da vida trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como correspondente de língua inglesa e francesa. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterônimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".

O NASCIMENTO

Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nasce em Lisboa Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do n.º 4 do Largo de São Carlos, em frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos). De famílias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa (38), natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias». A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa (26), era natural dos Açores (mais propriamente, da Ilha Terceira). Viviam com eles a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.

O poeta, pelo lado paterno, tem as suas raízes familiares no concelho de Arouca, nas freguesias do denominado «Fundo do Concelho» deArouca.[2].

 

O BATISMO

Fernando António foi baptizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageia Santo António: a família reclamava uma ligação genealógica comFernando de Bulhões, nome de baptismo de Santo António, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.

 

INFÂNCIA

As suas infância e adolescência foram marcadas por factos que o influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 24 de Julho de 1893, o pai morreu, com 43 anos, vítima detuberculose. A morte foi anunciada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano. A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do n.º 104 da Rua de São Marçal. Foi também neste período que surgiu o primeiroheterónimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, facto relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos heterónimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe de À Minha Querida Mamã. A mãe casa-se pela segunda vez em 1895 por procuração, na Igreja de São Mamede, em Lisboa, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban (África do Sul), que havia conhecido um ano antes. Em África, onde passa a maior parte da juventude e recebe educação inglesa, Pessoa viria a demonstrar desde cedo talento para a literatura.

JUVENTUDE EM DURBAN

Em razão do casamento, viaja com a mãe para Durban, acompanhados por um tio-avô, Manuel Gualdino da Cunha, que voltaria para Lisboa no mês seguinte. Viajam no navio Funchal até à Madeira e depois no paquete Inglês Hawarden Castle até ao Cabo da Boa Esperança. Faz a instrução primária na escola de freiras irlandesas da West Street, onde fez a primeira comunhão, e percorre em dois anos o equivalente a quatro.

Em 1899 ingressa no Liceu de Durban, onde permanecerá durante três anos e será um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudônimo Alexander Search, através do qual envia cartas a si mesmo. No ano de 1901, é aprovado com distinção no primeiro exame Cape School High Examination e escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma altura, morre sua irmã Madalena Henriqueta, de dois anos. Em1901 parte com a família para Portugal, para um ano de férias. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da irmã. Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida de D. Carlos I, n.º 109, 3.º Esquerdo. Na capital portuguesa, nasce João Maria, quarto filho do segundo casamento da mãe de Pessoa. Viaja com a família à Ilha Terceira, nos Açores, onde vive a família materna. Deslocam-se também aTavira para visitar os parentes paternos. Nessa época, escreve o poema Quando ela passa.

Tendo de dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão.

Tendo recebido uma educação britânica, que lhe proporcionou um profundo contacto com a língua inglesa, os seus primeiros textos e estudos foram em inglês. Mantém contacto com aliteratura inglesa através de autores como ShakespeareEdgar Allan PoeJohn MiltonLord ByronJohn KeatsPercy ShelleyAlfred Tennyson, entre outros. O Inglês teve grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente comercial em Lisboa, além de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir trabalhos de poetas ingleses, como O Corvo e Annabel Lee de Edgar Allan Poe. Com excepção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das colectâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I - II e III, editados em Lisboa, em 1918 e 1921.

EM LISBOA

Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos — mãe, padrasto, irmãos e criada Paciência, que viera com ele — regressam a Durban. Volta sozinho para a África no vapor Herzog. Matricula-se na Durban Commercial School, escola comercial de ensino nocturno, enquanto de dia estuda as disciplinas humanísticas para entrar na universidade. Nesse período, tenta escrever contos em inglês, alguns dos quais com o pseudónimo de David Merrick, que deixa inacabados. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Na prova de exame de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o Queen Victoria Memorial Prize («Prémio Rainha Vitória»). Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Aprofunda a sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Escreve poesia e prosa em inglês, surgindo os heterónimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no jornal do liceu um ensaio crítico intituladoMacaulay. Por fim, encerra os seus bem sucedidos estudos na África do Sul com o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade, obtendo uma boa classificação.

[editar]Volta definitiva a Portugal e início de carreira

 

Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho, em 1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as duas tias na Rua da Bela Vista, n.º 17. A mãe e o padrasto regressam também a Lisboa, durante um período de férias de um ano em que Pessoa volta a morar com eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no Curso Superior de Letras (actual Faculdade de Letras daUniversidade de Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra de Cesário Verde e pelos sermões doPadre António Vieira.

Em Agosto de 1907, morre a sua avó Dionísia, deixando-lhe uma pequena herança, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição da Glória, 38-4.º, sob o nome de «Empreza Ibis — Typographica e Editora — Officinas a Vapor», que rapidamente faliu. A partir de 1908, dedica-se à tradução de correspondência comercial, uma actividade a que poderíamos dar o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa profissão trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.

Inicia a sua atividade de ensaísta e crítico literário com o artigo «A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada», a que se seguiriam «Reincidindo…» e «A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico» publicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa. Frequenta a tertúlia literária que se formou em torno do seu tio adoptivo, o poeta, general aposentado Henrique Rosa, no Café A Brasileira, no Largo do Chiado em Lisboa. Mais tarde, já nos anos vinte, o seu café preferido seria o Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, onde escrevia e se encontrava com amigos e escritores.

ORPHEU

Em 1915 participou na revista literária Orpheu, a qual lançou o movimento modernista em Portugal, causando algum escândalo e muita controvérsia. Esta revista publicou apenas dois números, nos quais pessoa publicou em seu nome, bem como com o heterónimo Álvaro de Campos. No segundo número da Orpheu, Pessoa assume a direcção da revista, juntamente com Mário de Sá-Carneiro.

ATHENA

Em Outubro de 1924, juntamente com o artista plástico Ruy Vaz, Fernando Pessoa lançou a revista Athena, na qual fixou o «drama em gente» dos seus heterónimos, publicando poesias de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, bem como do ortónimo Fernando Pessoa.

[editar]Morte

Pessoa foi internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa, com diagnóstico de "cólica hepática" causada por cálculo biliar associado acirrose hepática, diagnóstico que é hoje contestado por estudos médicos, embora o excessivo consumo de álcool ao longo da sua vida seja consensualmente considerado como um importante factor causal. Segundo um desses estudos, Pessoa não revelava alguns dos sintomas mais típicos de cirrose hepática, tendo provavelmente sido vítima de uma pancreatiteaguda.[3] Morreu no dia 30 de Novembro, com 47 anos de idade. Sua última frase foi escrita na cama do hospital, em inglês, com a data de 29 de Novembro de 1935: "I know not what tomorrow will bring" ("Não sei o que o amanhã trará").

[editar]Legado

 

OS HETERÔNIMOS

Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa". Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterónimo Bernardo Soares, "a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:

     

Analogamente a Pompeu, que disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poemaNavegar é Preciso, que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação exigiria uma precisão que a vida poderia dispensar.

O poeta mexicano Octavio Paz, laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia" e que, no caso de Fernando Pessoa, "nada na sua vida é surpreendente — nada, excepto os seus poemas". EmThe Western Canon, Harold Bloom incluiu-o entre os cânones ocidentais, no capítulo Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português(pg. 451, 1995).

Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para o Mosteiro dos Jerónimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.

[editar]Pessoa e o ocultismo

Fernando Pessoa interessava-se pelo ocultismo e pelo misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz (embora não se lhe conheça qualquer filiação concreta em Loja ou Fraternidade dessas escolas de pensamento), havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas no Diário de Lisboa (4 de Fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com a sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gémeos).[6] Realizou mais de mil horóscopos.

Apreciava também o trabalho do famoso ocultista Aleister Crowley, tendo inclusive traduzido o poema Hino a Pã. Certa vez, lendo uma publicação inglesa de Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu-lhe para o corrigir. Os seus conhecimentos de astrologia impressionaram Crowley e, como este gostava de viagens, foi a Portugal conhecer o poeta.[7]Acompanhou-o a maga alemã Miss Hanni Larissa Jaeger,[8]. O encontro entre Pessoa e Crowley ocorreu com algum sensacionalismo, dado o Poeta Inglês ter simulado o seu suicídio na Boca do Inferno, o que atraiu várias polícias Europeias e a atenção dos média da época. Pessoa estaria dentro da encenação, tendo combinado com Crowley a notificação dos jornais e a redacção de um "romance policiário" cujos direitos reverteriam a favor dos dois poetas. Apesar de ter escrito várias dezenas de páginas, essa obra de ficção nunca foi concretizada[9]

[editar]Ficha pessoal

Ficha pessoal, também referida como nota autobiográfica, intitulada no original "Fernando Pessoa", dactilografada e assinada pelo escritor em 30 de Março de 1935 (em algumas edições está 1933, por lapso). Publicada pela primeira vez, muito incompleta, como introdução ao poema À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, editado pela Editorial Império em1940. Publicada em versão integral em Fernando Pessoa no seu Tempo, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1988, pp