Daisaku Ikeda

Daisaku Ikeda

O Japão de 1928, ano em que nasceu, era um país desestruturado, combalido por escândalos político-sociais de toda ordem e uma crescente onda de imigração ao exterior. O que ocasionava grande insegurança e dificuldades à família que lidava com o plantio, colheita e comercialização de algas marinhas. A primeira infância foi vivida no bairro Kamata, de Tóquio, em meio a muitos cuidados quanto à sua saúde, sempre preocupante. Um médico chegou a prognosticar que o garoto não chegaria aos 30 anos.

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1939, Daisaku defrontou-se com a tragédia da guerra. Enquanto o Japão avançava nos confrontos e os esforços da Nação para manter as tropas em combate arrefeciam, o pequeno Daisaku viu seus irmãos mais velhos, um a um, serem levados ao front.

Como se não bastasse, a família Ikeda precisou vender a casa e mudar-se para um pequeno barraco que, mais tarde, quando irromperam os bombardeios em Tóquio, foi incendiado.

Não houve outra saída senão o jovem e frágil Daisaku ir em busca de trabalho na indústria de guerra, praticamente o único setor da economia que fornecia emprego. Nessa época foi acometido de tuberculose e o trabalho em uma fábrica de armamentos agravou sua condição. Uma febre forte e constante atacava-o todos os finais de tarde. Além do martírio que a tosse constante lhe causava.

A Segunda Guerra terminou em 1945, mas não o sofrimento da família Ikeda que, neste ano, recebeu o comunicado da morte de seu primogênito, em um campo de batalha na Birmânia.

Além da catástrofe inimaginável das duas bombas atômicas, lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em agosto daquele ano, o povo teve de se submeter à ocupação e à imposição de uma nova cultura e a leis que desrespeitavam suas crenças milenares. Foi uma Nação faminta e desesperançada que as tropas americanas encontraram naqueles tempos sombrios de pós-Guerra. Para os conquistadores, um campo ideal onde fincar suas bandeiras e impor suas ordens.

Porém, para um jovem como Daisaku Ikeda, embora sentisse também o peso da opressão, o coração ardia de paixão pelo conhecimento e, mesmo sem se dar conta, em seu âmago, ansiava por um novo líder que trouxesse ordem àquele caos e lhe inspirasse, tanto confiança quanto esperança. Daisaku era, desde muito cedo, um leitor ávido e voraz. Todo o pouco dinheiro que lhe sobrava era investido em livros, sua maior e única riqueza. Seu único alento também, pois a literatura preenchia todo o vazio espiritual de seu jovem coração. Lia em especial, livros sobre Filosofia e, juntamente com um grupo de amigos também estudantes, passava as horas vagas lendo e discutindo suas opiniões.

Foram esses passeios que o inspiraram a compor o poema Praia de Morigasaki, local em que costumava caminhar com um amigo, e onde travavam instigantes diálogos sobre a vida e a morte. Eram também momentos de reflexões e desabafos. Somente ali eles eram capazes de demonstrar suas frustrações e aflições. Daisaku conta que naquelas conversas, sentia-se como um barco em meio à tempestade, sem rumo e em busca de um farol que o guiasse.

Pouco depois, aos 19 anos, deu-se o que seria a resposta à sua busca, com o encontro com Jossei Toda, o homem que seria seu “farol” por todo o restante de sua ilustre e impressionante existência.

Corria o ano de 1947, o Japão amargava dois anos de ocupação e ainda vivia em um estado de quase miséria. A paisagem de Tóquio pouco mudara, era ainda visível por toda parte as marcas terríveis da guerra. Barracos precários foram erguidos sobre a terra calcinada e os abrigos antiaéreos eram ocupados por famílias inteiras de desabrigados.

Convidado a participar de uma reunião em que seriam discutidas questões filosóficas, o jovem Daisaku conheceu, nesta ocasião, o homem que o inspiraria a mudar todo o rumo de sua vida. Naquele 14 de agosto, ao entrar na sala onde acontecia mais uma Reunião de Palestra da Soka Gakkai, foi imediatamente tomado por um profundo sentimento de aconchego e familiaridade. O homem que palestrava não era outro senão Jossei Toda. Ele explanava sobre o Sutra de Lótus e todos os olhos e ouvidos encontravam-se absortos em seu discurso.

Falando pausadamente e de forma simples, por trás das grossas lentes de sua miopia severa, Toda era somente coração. Explicava com a tranquilidade de quem conta uma história corriqueira e seu impressionante carisma seduzia a plateia atenta e ávida. Ao abrir para questionamentos, Daisaku não se conteve e pediu permissão para lhe fazer três perguntas:

– Peço permissão para importuná-lo com três questões – disse o jovem com grande deferência – Primeiro: como o senhor definiria uma existência humana correta? Segundo: qual a sua definição para um verdadeiro patriota? E, terceiro: como o senhor encara a figura do imperador hoje?

Toda já havia notado o jovem que se sentara um pouco atrás, mas mantinha os olhos fixos nele enquanto fazia anotações em seu caderno. Suas perguntas o surpreenderam e intrigaram e, por isso, dispôs-se a respondê-las com o mesmo respeito e deferência com que foram proferidas.

Daisaku aguçou os ouvidos e esperando pelas respostas, ao mesmo tempo, analisava atentamente aquele homem. A voz possante e segura de Toda argumentando e tomada por profunda sinceridade tocaram o coração do jovem. No ardor de seus 19 anos, compreendeu e aceitou aquela dádiva recebida. Por fim, ao refletir por um instante sobre aquelas sábias palavras, citou um célebre provérbio chinês:

-– Faz bem pensar mais uma vez, embora concorde; é bom pensar mais uma vez embora discorde – disse sorrindo. E, para por fim ao seu pensamento, pediu licença uma vez mais para ler um poema que acabara de compor:

– Quero conhecer mais desta filosofia para compreendê-la melhor e, como prova de meu apreço por sua palestra, quero pedir licença uma vez mais para recitar uma poesia que acabei de compor.

Ó viajante!
De onde vens?
Para onde vais?
A lua desce
no caos da madrugada,
à procura de luz
vou caminhando
No desejo de varrer
as trevas de minh' alma,
a grande árvore eu procuro
que nunca se abalou
em meio à fúria da tempestade.
Neste encontro ideal,
sou eu quem
surge da Terra1.

Toda foi tomado por súbita surpresa e emoção, em especial, ao ouvir o último verso do poema. O jovem Daisaku utilizara um termo budista que não fora abordado durante sua explanação, conhecido como Jiyu-no-bossatsu, que diz respeito ao surgimento dos Bodhisatvas da Terra que, segundo o sutra, “emergiriam da Terra”.

Outra sincronicidade que não passou despercebida do perspicaz Jossei Toda, foi a idade de ambos: Daisaku contava com 19 anos e ele 48. As mesmas idades com as quais ele encontrou-se com seu mestre Tsunessaburo Makiguti. Ambos os fatos revelavam mais do que uma simples coincidência, eram um aviso.

Toda não se enganara naquela noite, pois no dia 24 de agosto de 1947, dez dias após esse primeiro encontro, Daisaku Ikeda associa-se à Soka Gakkai. E, desde aquele encontro, já se vão mais de 64 anos. Nestas décadas todas, o discípulo tornou-se mestre e a filosofia de vida que jurou abraçar hoje estende-se por quase 200 países e territórios do mundo, perfazendo um impressionante número de 12 milhões de pessoas de todas as etnias, culturas e origens, unidas em um único ideal: a concretização de uma paz perene.

Uma trajetória planetária

Qual o verdadeiro propósito da vida? Esse é o principal enigma sobre o qual toda a humanidade vem se debatendo ao longo de sua História. Desde o seu ingresso à Soka Gakkai, a trajetória de Daisaku Ikeda foi marcada por uma resoluta vontade de aprender, compreender e consolidar os objetivos traçados por seu mestre Jossei Toda.

Embora o tempo que passaram juntos tenha sido relativamente curto – pouco mais de uma década – a obra que ambos construíram é inegavelmente impressionante. Na história da humanidade, nunca foi registrado tamanho desenvolvimento em uma entidade de cunho sócio-cultural em tão pouco tempo.

O momento de espalhar os ventos do Humanismo finalmente chegou, quando a nova constituição japonesa garantiu a liberdade de expressão, imprensa e credo. A nação em frangalhos poderia enfim respirar e buscar alívio para suas feridas, encontrando na filosofia humanista de Nitiren as tão esperadas respostas às suas desesperançadas inquietações.

A expansão destas ideias foi rápida, pois os associados vislumbravam em suas vidas mudanças efetivas e alentadoras. Foi assim que, em 16 de março de 1958, acontece aquela que foi considerada a cerimônia de transmissão da liderança, do mestre para o discípulo. Neste evento inesquecível, 6 mil jovens acorreram ao chamado de seu mestre e receberam dele a incumbência de herdar a missão de concretizar a paz perene no mundo. Foi a última vez que, praticamente, aqueles jovens veriam o presidente Toda com vida. Foi seu último discurso.

Toda faleceu em 2 de abril, duas semanas depois, deixando para Daisaku Ikeda a missão de completar a sua obra maior: a propagação mundial.

Dois anos depois, aos 32 anos, em 3 de maio de 1960, Daisaku Ikeda assumiu como terceiro presidente da Soka Gakkai. E, cinco meses depois, partiu para sua primeira viagem ao exterior para plantar as sementes da Filosofia Humanista de Nitiren pelo mundo. Percorreu nove cidades em três países, entre eles o Brasil, onde fundou o Distrito Brasil, com três comunidades e cerca de 200 famílias.

Quinze anos depois, funda a Soka Gakkai Internacional, em 1975, uma organização não governamental filiada à ONU, cujo objetivo é impulsionar e dar respaldo às entidades coligadas nos países em que está presente.

A epígrafe que abre este texto tem na vida e obra de Daisaku Ikeda a prova de sua veracidade. O jovem cujo físico frágil recebera um prognóstico sombrio, de que não passaria dos 30 anos, adentrou 2008 em sua oitava década de vida com renovado vigor e disposição para lançar objetivos para os próximos 20 anos.

Sua luta pela paz perene não é mero idealismo utópico. Ikeda é um conferencista renomado que comprova suas palavras a partir de seus feitos. Sua ideologia baseia-se na Revolução Humana, um passo evolutivo que cada ser humano pode realizar a partir de sua transformação interior e conscientização quanto ao verdadeiro propósito da vida.

– A paz que almejamos não é nada fora do ser, é algo que existe dentro de cada indivíduo e que uma vez evidenciado, promove a mudança de todo o seu entorno e de toda a sociedade – enfatiza Ikeda constantemente.

Suas realizações perpassam todos os campos do conhecimento humano pois para ele a cultura é a expressão viva da capacidade ímpar do ser humano. Por acreditar na Educação como o principal meio para o aprimoramento individual, fundou escolas – desde o Ensino Infantil até a Universidade –, fundou instituições culturais como a Associação de Concertos Min-On e o Museu de Arte Fuji.

Vem promovendo constantes diálogos com acadêmicos e líderes governamentais, proferiu palestras em universidades de ponta e, por indicação do então presidente da instituição, Austregésilo de Athaíde, foi nomeado sócio-correspondente da Academia Brasileira de Letras, em 1993. É reconhecido por mais de uma centena de instituições de ensino superior com o título de Doutor Honoris Causa e, em nome da paz perene pela qual realiza todas essas ações, anualmente elabora uma Proposta de Paz, entregue à ONU, desde 1983.

Sobre esta assombrosa e gigantesca obra no curso de uma só vida, ele escreveu certa vez com humildade e simplicidade: “eu cumpri o juramento que fiz ao meu mestre. Eu cumpri o juramento que fiz aos meus companheiros. Eu cumpri todos os objetivos que lancei."

FONTE:https://www.bsgi.org.br/quemsomos/o_grande_desbravador_de_horizontes/